A Variabilidade Nos Exames Laboratoriais

Toda medida tem um grau de incerteza ou imprecisão. Parte dessa variabilidade é inerente ao método utilizado e é chamada de VARIAÇÃO ANALÍTICA. Nos exames laboratoriais, entretanto, existe uma outra fonte de imprecisão dos resultados: a VARIABILIDADE BIOLÓGICA, uma flutuação fisiológica e randômica dos parâmetros medidos nos fluidos biológicos.

Na interpretação dos resultados médico-laboratoriais, portanto, é preciso ter uma ideia da magnitude dessa incerteza, principalmente na análise de dois resultados obtidos em dias diferentes. Quanto maior a imprecisão daquela medida, maior tem que ser a diferença entre os dois resultados para que se tenha certeza de que uma verdadeira mudança ocorreu.

O problema é que esse grau de variabilidade ou imprecisão varia muito entre os diferentes parâmetros medidos nos laboratórios clínicos, podendo ser muito pequeno (abaixo de 5%) em alguns casos ou muito alto (em torno de 50%), dependendo do teste.

Conhecer esse grau de incerteza é, portanto, fundamental para o clínico na interpretação de exames em série e existem ferramentas estatísticas que podem auxiliar muito nas tomadas de decisão:

O paciente X faz um teste de Colesterol no mês de janeiro e o resultado foi de 235 mg/dl. Em conjunto com seu clínico decide iniciar uma dieta e repete seu exame 60 dias após, obtendo um resultado de 198 mg/dl. A pergunta que surge é: a dieta reduziu mesmo o colesterol do paciente ou essa variabilidade está dentro do esperado pela imprecisão da medida?

Para responder essa pergunta, temos que conhecer as duas fontes de variabilidade desse teste, a analítica (inerente ao método) e a biológica (inerente à fisiologia do colesterol no organismo). Para o Colesterol os valores dessas imprecisões são de 2% para a variação analítica e 6% para a biológica.

A ferramenta estatística que calcula o intervalo de variabilidade de uma medida laboratorial é o Reference Change Value ou RCV, que utiliza em sua fórmula os valores de variabilidade analítica e biológica para determinar qual a mudança mínima que tem que existir entre dois resultados para que eles sejam mesmo diferentes (ou seja, que alguma ação externa, terapêutica ou não, alterou realmente o parâmetro).

Para o Colesterol, dados os valores de incerteza citados acima o RCV é de 18%, o que nos leva a conclusão que o primeiro resultado do paciente X (235 mg/dl) tem um intervalo de incerteza que varia de 193 a 276 mg/dl. Observamos que o segundo resultado desse paciente (198mg/dl) está dentro desse intervalo e, portanto, NÃO HOUVE DIFERENÇA entre as duas medidas e a dieta não teve efeito sobre o colesterol, apesar do segundo teste ser menor numericamente.

Dicas práticas para o clínico:

1. A variabilidade entre dois resultados consecutivos pode ser explicada por fatores fisiológicos e analíticos e não por interferências terapêuticas;
2. O fator que mais pesa nessa variação é a variabilidade biológica, uma “flutuação” aleatória dos parâmetros medidos nos exames que pode ser até 25% em alguns casos;
3. Utilizar laboratórios de referência, que usem metodologias mais modernas e que tenham programas de controle de qualidade interno que minimizam a variabilidade analítica;
4. Sempre que possível fazer o acompanhamento de exames seriados no mesmo laboratório e com o mesmo método;
5. Conhecer a variabilidade dos principais parâmetros utilizados na sua prática e utilizar essa ferramenta na análise dos resultados (ver tabela abaixo)

Referência: Cormack, Holmes. Your results may vary: the imprecision of medical measurements. British Medical Journal 2020.